segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quero Ser Inverno


Entro no carro e arranco.
Lá fora, o vento acaricia as árvores, embalando-as numa dança única.
"Quem me dera ser vento.
Poder rodear-te sem ninguém sentir".

Olho através da janela e aprecio a neve que repousa nas encostas da serra.
Com carinho, enlaça-as num abraço conjunto.
"Quem me dera ser neve.
Poder repousar em ti sem ninguém ver".
O nevoeiro empresta à paisagem um tom algo fantasmagórico.
Com leveza, a neblina circunda tudo em seu redor, chegando como um sussurro.
"Quem me dera ser bruma.
Poder envolver-te sem ninguém notar".
Dos ramos das árvores pingam gotas de chuva, que ora teima em cair.
Timidamente, vai descobrindo aquele outro manto branco.
"Quem me dera ser chuva.
Poder tocar-te sem ninguém saber".

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Menina de Olhos Tristes


Oh menina de olhos tristes...
Como o mundo te ultrapassa.
Cruel castigo o barulho do teu silêncio.
O som ensurdecedor das costas voltadas.
O teu olhar esquadrinha as conversas em teu redor, persegue os sorrisos, abandona quem te fita.
Como se não pertencesses a este mundo...

De onde foges? De quem foges?
Os teus pensamentos rodopiam.
A solidão é rainha e o vazio imperador.
À tua frente, tanto e tão pouco.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O Moinho


O velho moleiro sobe a colina.
Pelo caminho, outrora percorrido por tantos outros passos, pensa simplesmente em conseguir alcançar o moinho.
Ouve apenas o estalar escarlate das folhas caídas ao longo das veredas.

A mó está tão gasta como as recordações que sustentam o moleiro com olhos cor de Outono.
Tritura. Mói. Esmaga.
Tal como o peso das memórias que nos carregam pela vida.

De volta a casa, acende a lareira para esquecer o frio da solidão e recolhe os pensamentos perdidos.
A mó continua a girar. Dentro da sua alma.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Peça


Tum. Tum. Tum.
As três pancadas de Molière.
A cortina sobe. A peça ensaiada (re)começa. Uma e outra vez.
Sorrisos, lágrimas.
Abraços sentidos. Abraços fingidos.
Todos representam. Sempre.
No fim, apenas uma pessoa está na plateia. Só.
De pé, fita o palco, abarcando com o olhar todos os que estão em cena.
O pano cai. E com ele caem todas as máscaras.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sem título

A vida encarrega-se de nos trocar as voltas.
O passado escondido emerge e rouba-nos o sossego tão almejado.
Tudo se altera.
Descontrolo contido.

Porque não podemos pensar com o coração e gostar com a razão?



quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O Lago



O lago, ao longe, tão calmo e pacífico, esconde-se debaixo de uma capa negra espessa e impossível de desvendar.
Não consigo descobrir-te se passas o tempo a esconder-te.

Olho o meu reflexo na janela da sala, salpicada pelas gotas da chuva, pensando em como me permito querer estar contigo apesar dessa escuridão.
Não consigo desvendar-te se a cada momento amontoas segredos.

Não consigo permanecer se insistes em desvanecer.

Nem o sol, com todo o seu vigor, consegue penetrar mais do que uns poucos metros da superfície estática daquela massa de água, tão serena e ao mesmo tempo tão revolta nas suas profundezas.

Não consigo aproximar-me se persistes em afastar-te.

Não consigo encontrar-te se insistes em te perder.

Não consigo acompanhar-te se queres caminhar só.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Tudo e Nada



Uma estrela cadente deixa o seu rasto brilhante no céu negro, polvilhado de outros pequenos pontos brilhantes. Levanto a cabeça e vejo que ainda existe céu.
Uma réstia de brilho ilumina uma lágrima que rola livremente pelo meu rosto. As palavras continuam a ecoar na minha cabeça. Conquistar. Dominar. Libertar. Prender. Ganhar. Perder.
Assento os pés no chão e sinto que ainda existe terra.

A estrela já passou, fugaz no seu aparecimento, lesta na sua fuga. Aparecer. Desaparecer.
O seu trilho foi traçado desde o início, mas o seu fim surgiu mais rápido do que se poderia prever.
Presa na sua própria passagem. Livre na sua retirada.

Seremos todos tentados a procurá-la uma vez mais, varrendo os céus com o olhar, como quem quer voltar a acreditar que algum dia lá esteve. Olhamos, mas não vemos; se vemos, não reparamos.

Cegamente e com os sentidos entorpecidos, perdemos o rumo e só resta vaguear por todos os caminhos que entretanto surgem, procurando o que deixamos que se perdesse. Só pedi para me aprenderes.

Tão perto e tão longe. Tanto e tão pouco.
Acordo e ainda sinto.